Adolescência e saúde mental é um tema primordial, segundo dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) a ansiedade entre crianças e jovens superou os índices identificados em adultos, estima-se que quase 1 em cada 6 adolescentes entre 10 e 19 anos sofrem com algum tipo de transtorno mental.
Por muito tempo a saúde mental de jovens e crianças foi negligenciada acreditando-se que o sofrimento psíquico era exclusividade da vida adulta. A partir do século XX isso mudou drasticamente, não que esse público não tivesse sofrimento psicológico antes, o sofrimento sempre existiu, mas ele era negado, silenciado, e quando compreendido, era sempre pela lógica da naturalização, os sintomas e sinais eram próprios da fase provocando danos irreversíveis ou finais trágicos.
Hoje em dia, pais, professores e a sociedade estão mais receptivos às necessidades psicológicas da adolescência, mas ainda é muito grande a desinformação sobre o que é adolescência, o que é saudável e o que precisa de cuidados.
São processos diferentes, puberdade se refere ao desenvolvimento biológico da criança, ou seja, as mudanças hormonais e corporais que vão sinalizar o fim da infância, enquanto que a adolescência é o processo de readaptação ao novo corpo físico e a construção da identidade e sua entrada no social.
Segundo a neurociência sobre o cérebro do adolescente, essa fase é muito importante para o desenvolvimento, com possibilidades de convergir forças fenomenais que não existirão na vida adulta, mas também existem vulnerabilidades únicas nesse estágio.
Para se ter uma ideia de quanto esse período é extremamente complexo imagine que você é uma criança e vive uma vida normal com sua família e sua rotina e de um dia para o outro seu cérebro que funcionava de uma forma muito comum é bombardeado por uma descarga de hormônios (testosterona, progesterona e estrogênio) que seu organismo vem produzindo desde o seu nascimento, mas ficaram em repouso por mais ou menos uma década.
Entretanto, os hormônios por si só não explicam os comportamentos típicos dessa etapa, pois já se sabe que os níveis de hormônios entre jovens e adolescentes são os mesmos.
A grande questão está na reação, adolescentes reagem diferente, eles reagem mais ao estresse, eles não possuem a capacidade de tolerar como os adultos. Mas isso é óbvio para qualquer pai ou professor, o que não era claro e evidente é o que as pesquisas a partir de 2007 descobriram: o hormônio tetraidropregnenolona THP que é liberado em resposta ao estresse para regular a ansiedade em adultos tem resultado inverso em adolescentes, ou seja, o hormônio que era para acalmar gera mais ansiedade.
Para a neurociência o que está por trás disso é a biologia.
Mas, será que é só isso? Hormônios, cérebro e biologia. A Psicologia, especificamente a Fenomenológica existencial tem uma visão mais compreensiva da adolescência.
Toda problemática começa quando a criança se depara com a chegada do futuro como um problema a ser enfrentado.
Para a pergunta o que você vai ser quando crescer já não basta mais as clássicas respostas fantasiosas, agora a não mais criança e sim um adolescente estará as voltas com as indagações dos pais, da família, dos colegas, dos professores, enfim da sociedade. O que você fará com seu futuro? Quem você vai ser? No que você vai trabalhar? E não vamos falar das perguntas sobre a sexualidade, isso é um tema tão amplo que merece ficar para uma outra conversa.
O futuro agora é um assunto que estará a cargo do adolescente escolher. Antes tudo era decidido e sustentado pelos pais, agora caberá a ele resolver seu futuro, o que estudar, no que trabalhar, com quem se relacionar.
O amadurecimento é um processo que começa antes do nascimento e vai continuar por toda vida e só se completa com a morte.
Essa construção do ser é longa e artesanal e jamais será concluída, deixando no homem a percepção de que falta algo, está sempre incompleto.
Na adolescência é como se o eu fosse desalojado pelas mudanças da puberdade e o adolescente terá que se reinstalar no mundo, mas é só a partir da construção ou reinstalação da sua subjetividade que ele será capaz de se relacionar de forma autêntica consigo, com o outro e com o mundo.
O pilar para que tudo isso corra de forma natural e para a saúde mental na vida adulta é construído na infância e na adolescência.
Saudável é aquilo que é comum da adolescência com todas suas características. O adolescente mesmo em meio a fase de construção da sua identidade, sendo tomado por suas questões, sexualidade e mudança corporal, circula pela vida constrói vínculos e pertencimento a um grupo que vai projetá-lo a um futuro possível.
O que inspira cuidados é a falta desse movimento na vida, o isolamento social, não aquele refugiar-se no quarto que todo adolescente gosta e necessita por um momento, para uma pausa, para se encontrar e depois retornar ao seu caminhar.
O preocupante é a falta de vínculos, da conexão com um grupo. Ser excluído ou não conseguir se incluir provoca muito sofrimento, que pode ser silencioso e só aparecer nas mutilações ou suicídios ou pode ser muito sonoro através de comportamentos agressivos e de riscos. E é por isso que a psicoterapia para adolescente pode fazer toda a diferença.
Imagine que você tem duas crianças diante de um campo minado, e a uma será entregue um mapa do campo, identificando onde estão as possíveis bombas, e qual o melhor trajeto e a outra apenas as palavras de boa sorte.
Quem você acha que terá mais chances de atravessar esse campo minado com mais segurança? Acho que a metáfora pode ajudar a ilustrar a importância da psicoterapia com adolescentes.
O mapa do campo minado é o processo de autoconhecimento, que vai ajudar ao adolescente a identificar, aceitar e escolher o que fazer com o turbilhão de emoções, sentimentos e pensamentos que perpassam a sua existência. Não se controla emoções, o que é possível controlar é o que fazer com a raiva, a vergonha, o medo etc.
O psicoterapeuta vai buscar cuidar da dor do evento traumático através de um demorar-se interessado por aquilo que aflige o adolescente. Um interesse que se revela no olhar acolhedor e empático, aceitando o adolescente no seu modo próprio de ser. Aguardando com paciência, sustentando a posição de estar junto ao outro, sem correria para atingir resultados, escutar aquilo que na fala aparece como desconfortante, incomodo, esperar com calma que surjam outras possibilidades para além daquelas impostas pelo mundo.
A psicoterapia pode acontecer pelo relato do jovem de suas experiências e também pode ocorrer intervenções lúdicas, como jogos, leituras, desenhos, pinturas, em ambas o psicoterapeuta estará atento para escutar a sua expressão verbal e gestual e o que ela quer revelar.
Escrito por: Psicóloga Sandra Gianesini
Ana Maria. A reinstalação do si-mesmo: uma compreensão fenomenológica da adolescência à luz da teoria do amadurecimento de Winnicott. Arquivos Brasileiros de Psicologia [en linea]. 2006, 58(2), 51-66[fecha de Consulta 7 de Junio de 2025]. ISSN: 0100-8692. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=229017510006
Jensen, Frances E. O cérebro adolescente: guia de sobrevivência para criar adolescentes e jovens adultos / Frances E. Jensen, Amy Ellis Nutt; tradução Lúcia Ribeiro da Silva. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016.